61 anos do golpe civil-militar: a luta por democracia e direitos humanos continua

SMDH mantêm viva a memória e a resistência contra as violações iniciadas em 1964

Fonte: Arquivo Nacional

O Golpe Civil-Militar-Empresarial completa 61 anos nesta terça-feira (01/4). Uma história recente no Brasil que deixou traumas e feridas sociais, políticas, humanas e, especialmente, em famílias que até hoje mantêm profundas cicatrizes no respeito à dignidade da vida e do luto. O período da ditadura brasileira, em 21 anos, foi marcada por censura, perseguições políticas, tortura e assassinatos de opositores. Seis décadas depois, práticas desse regime ainda estão presentes na sociedade brasileira, seja na violência institucional, nas desigualdades sociais ou nos ataques à democracia. No Maranhão, a Sociedade Maranhense de Direitos Humanos (SMDH) foi criada e é expressão das lutas contra o autoritarismo e pela defesa dos direitos humanos e democracia.

O golpe de 1964 e as fases da ditadura

O presidente eleito em 1964 foi João Goulart. O golpe não foi apenas uma ação militar. Contou com o apoio de setores empresariais, da grande imprensa, da elite agrária, da igreja católica e de governos estrangeiros, especialmente os Estados Unidos. A justificativa era a suposta ameaça comunista, mas o verdadeiro objetivo era barrar as reformas de base propostas por Goulart, que incluíam a reforma agrária e a ampliação de direitos trabalhistas.

Fonte: Arquivo Nacional



O golpe militar de 1964, cujo marco inicial se deu entre a noite de 31 de março e a madrugada de 1º de abril, ainda é alvo de disputas narrativas. As primeiras movimentações militares começaram em Minas Gerais, enquanto João Goulart permanecia no Palácio das Laranjeiras, no Rio de Janeiro, exercendo suas funções presidenciais até o meio-dia do dia 1º.

Ao saber do deslocamento dos militares e da movimentação por sua renúncia, Goulart voou para Brasília, onde a situação se tornava cada vez mais instável, enquanto tropas de diversas partes do país avançavam para o Rio de Janeiro, pressionando o governo.

Sem apoio na capital federal, o presidente civil partiu para Porto Alegre. O movimento seria usado pela oposição como justificativa para que a Presidência da República fosse declarada vaga. No mesmo momento, o deputado Ranieri Mazzilli, presidente da Câmara e aliado dos militares, foi empossado no cargo. Poucos dias depois, o general Humberto de Alencar Castello Branco foi escolhido indiretamente como o primeiro presidente do regime militar, dando início a um período de 21 anos de ditadura no Brasil.

Os militares chamaram o golpe de “movimento revolucionário” e criaram narrativas para definir a data de 31 de março para a derrubada de Jango no poder e retirar a associação do dia 1° de abril com o dia da mentira.

A ditadura teve três fases marcantes: de 1964 a 1968, a institucionalização do regime, com atos institucionais que restringiram direitos políticos e civis; de 1968 a 1974, com o AI-5, o país viveu o período mais repressivo, com censura, prisões arbitrárias e tortura sistemática; e, a terceira fase, entre 1974 e 1985, marcada por uma abertura lenta e controlada, culminando na Lei da Anistia em 1979, que permitiu o retorno de exilados, mas também garantiu impunidade para agentes do Estado envolvidos em crimes de tortura e assassinatos.

O surgimento da SMDH na luta pela democracia

Foi nesse contexto de reabertura que nasceu, em 12 de fevereiro de 1979, a Sociedade Maranhense de Defesa dos Direitos Humanos. Surgiu como resposta às graves violações de direitos no país, no Maranhão, onde grandes empreendimentos, como a Ferrovia Carajás e a expansão de empresas mineradoras, resultaram em conflitos agrários e expulsões de comunidades rurais e indígenas. Inspirada na luta pela redemocratização, a organização se tornou uma referência na defesa dos direitos humanos e no enfrentamento da violência estatal.

Nos seus 46 anos de existência, a SMDH tem atuado em diferentes frentes: da denúncia de tortura à defesa dos direitos dos povos e comunidades tradicionais, passando por iniciativas de educação popular e fortalecimento da cidadania. Atualmente, tem como missão a construção de um projeto político por democracia com poder popular, direitos humanos e bem viver, sobretudo na luta contra a disseminação de narrativas e ações que, ao longo da história, têm sustentado uma forma de pensar e viver que relativiza, banaliza e normaliza a violência, com ameaças às vidas e territórios.

Joisiane Gamba, advogada associada da Sociedade Maranhense de Direitos Humanos, pontua a visão de democracia com poder popular que está nos princípios da organização da sociedade civil. “É uma forma de organização social e política com grau qualificado de participação e controle popular tendo por fundamento a contribuição da sociedade civil organizada e dos movimentos populares”, disse.

A permanência dos desafios democráticos

Mesmo com a redemocratização em 1985 e a promulgação da Constituição de 1988, as consequências da ditadura ainda são sentidas. A militarização da segurança pública, a violência policial contra negros e pobres, a criminalização de movimentos sociais e as tentativas de reescrever a história para minimizar os crimes da ditadura são reflexos diretos do autoritarismo instaurado em 1964.

Uma das mais recentes ações de reparação pelo direito à memória, verdade e justiça vem do Conselho Nacional de Justiça, por meio da Resolução 601/2024, que dispõe sobre o dever de reconhecer e retificar os atestados de óbito de todos os mortos e desaparecidos vítimas da ditadura militar. O documento deverá informar que o óbito não decorreu de causa natural, mas sim de forma violenta, causada pelo Estado, no contexto da perseguição sistemática à população identificada como dissidente política, durante o regime ditatorial instaurado em 1964.

Fonte: Agência Brasil


434 mortos e desaparecidos durante a ditadura militar no Brasil estão catalogados pela Comissão Nacional da Verdade (CNV) e seus familiares receberão gratuitamente as certidões de óbito atualizadas. A entrega estava prevista para fevereiro de 2025. De acordo com o  “Dossiê Ditadura — Mortos e Desaparecidos Políticos no Brasil (1964/1985)”, publicado em 2009, consta o nome de três maranhenses considerados desaparecidos políticos. São eles, Ruy Frazão Soares, Grenaldo de Jesus da Silva e Antônio Raymundo Lucena.

Ruy era militante do Partido Comunista Brasileiro (PC do B) e foi considerado desaparecido aos 33 anos de idade, em 27 de maio de 1974. Seis anos antes, ele se engajou na luta dos trabalhadores rurais, por meio do Movimento de Educação de Base, em Pindaré-Mirim, área de conflito de posse de terra, que incluía assassinato de lavradores e líderes políticos. Segundo o relato do dossiê, Ruy foi preso em Petrolina (PE), por três policiais armados que o espancaram e jogaram na mala de um carro, e nunca mais voltou. Em 26 de março de 1991, a 1ª Vara da Justiça Federal de Pernambuco, responsabilizou a União pela prisão, morte e ocultação do cadáver de Ruy Frazão Soares, sem devolver os restos mortais.

Grenaldo de Jesus da Silva foi morto aos 31 anos de idade. No relatório consta que ele foi expulso da Marinha em 1964 e morto por agentes do DOI/CODI de São Paulo, em 30 de maio de 1972, com um tiro na cabeça, ao tentar sequestrar um avião do voo São Paulo/Porto Alegre, no aeroporto de Congonhas.

Já Antônio Raymundo era operário e militante da Vanguarda Popular Revolucionária (VPR). Ele foi morto aos 48 anos, no dia 20 de fevereiro de 1970, dentro de casa, na frente da família, por militares.na cidade de Atibaia (SP). Antônio e a esposa, Damaris Lucena, eram filiados ao Partido Comunista, e em 1968 foram filiados à VPR.

Fazer memória dos 61 anos do golpe não significa apenas relembrar um dos períodos mais sombrios da história brasileira, mas reforçar o compromisso com a verdade, a justiça e os direitos humanos. A Sociedade Maranhense de Direitos Humanos é uma das instituições da sociedade civil que vem mantendo ao longo dos anos o trabalho contínuo em defesa da democracia sem retrocessos. “A missão da SMDH é contribuir para o aperfeiçoamento da democracia por intermédio de metodologias que garantam o protagonismo dos setores populares tendo como referência uma concepção histórico-crítica dos direitos humanos”, ressaltou Josiane Gamba.

A luta por um Brasil mais justo e democrático continua, e a organização da sociedade civil segue sendo uma ferramenta fundamental para garantir que a democracia não seja apenas uma conquista do passado, mas uma realidade inegociável para o futuro.