MNDH: Nota sobre medidas iniciais do Governo Federal
O Movimento Nacional de Direitos Humanos (MNDH) manifesta sua profunda preocupação com os rumos da organização e da ação do governo federal, particularmente conformados na Medida Provisória nº 870/2019, que estabelece a “organização básica dos órgãos da Presidência da República e dos ministérios”.
O MNDH entende que a Medida contém elementos que fazem com que a ação política tenha contornos inconstitucionais no que diz respeito à relação com organismos internacionais e com organizações da sociedade civil, particularmente ao prever que a Secretaria de Governo da Presidência da República tenha por competência “II – supervisionar, coordenar, monitorar e acompanhar as atividades e as ações dos organismos internacionais e das organizações não governamentais no território nacional”. É inaceitável pois atenta contra a democracia e o Estado Democrático de Direito, já que a Constituição Federal (art. 5º, inc. XVI) e o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (art. 21), ratificado pelo Brasil, asseguram o direito à associação como indisponível ao Estado.
O MNDH também repudia o desmonte de parte importante da estrutura de participação e controle social, particularmente do Consea e do ConCidades. Junto com o fim do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea), também produz-se a desagregação do Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (SISAN), que tem a finalidade da promoção de políticas para a garantia da realização do direito humano à alimentação adequada previsto na Constituição Federal e no Pacto internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (art, 11), também ratificado pelo Brasil. Por outro lado, a extinção do Conselho das Cidades (Concidades) destrói importante conquista da luta popular urbana e põe em seu lugar um resquício do período ditatorial (1979), o Conselho Nacional de Desenvolvimento Urbano.
A MNDH também expressa sua preocupação com a possibilidade de desproteção e de violação dos direitos dos povos tradicionais, particularmente indígenas e quilombolas. No que diz respeito aos povos indígenas são atacadas as conquistas consagradas na Constituição Federal, quando desmonta o órgão que há mais de 50 anos está encarregado de fazer a política indigenista, a FUNAI, e segmentando a política indigenista, vinculando-a a dois órgãos, em parte ao Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos e ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Junto com a questão indígena, a quilombola também sofre a transferência da competência da regularização fundiária, que inclui a identificação, a delimitação, a demarcação e os registros das terras tradicionalmente ocupadas por indígenas e quilombolas para o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Inaceitável que aqueles que historicamente têm sido agentes de extermínio e de violação dos direitos dos povos indígenas e quilombolas sejam agora os responsáveis por políticas para proteger seus direitos. Este tipo de medida é uma clara opção pela promoção dos interesses dos empresários rurais em detrimento dos direitos dos povos e comunidades tradicionais, particularmente indígenas e quilombolas.
No que diz respeito à política específica de direitos humanos, a transformação do Ministério dos Direitos Humanos, no Ministério da Família, da Mulher e dos Direitos Humanos não representa o fortalecimento dos direitos humanos e sim sua ideologização no pior dos sentidos. As declarações públicas da Ministra e a composição das secretarias com nomes alinhados às posições conservadoras e contrárias aos direitos humanos levam a crer que o assunto será tratado como retórica, mecanismo de promoção de embates polêmicos, com claro fim fazer da ação estatal meio para incidir no comportamento e no modo de ser, para promover valores e virtudes que, ainda que relacionados aos direitos, são seletivos, punitivistas e meritocraticamente escalonados para serem distribuídos a certos sujeitos em detrimento de outros, para certos direitos em detrimento de outros direitos. Isto fica claro quando, na lista de direitos descrita no inciso I do art. 43 da Medida Provisória, deixa de mencionar LGBTIs, por exemplo, colocando-os sob o genérico “minorias sociais”, diminuindo ainda mais os/as que já são “minorias”. Por outro lado, admite a família como um sujeito de direitos, já que fala em “direitos da família” e não “à família”.
O MNDH também se preocupa com o fato de o governo ter fixado em R$ 998,00 o valor do salário mínimo (Decreto Federal nº 9.661/2019), R$ 8,00 aquém do valor estabelecido pelo Parlamento na proposta orçamentária para 2019. Dessa forma sinaliza que a política de aumento real do salário mínimo sofre um corte em desfavor de uma das maiores parcelas dos/as trabalhadores/as e aposentados/as brasileiros/as, que já vem sofrendo duramente com as consequências negativas das reformas nas garantias dos direitos trabalhistas pelo governo Temer.
Para o MNDH, a seguir deste modo, o governo federal pode esbarrar em situações configuradas como violação de direitos humanos e, senão, em retrocessos nas condições para a realização dos direitos humanos. Tanto uma quanto a outra situação são claramente inaceitáveis e condenáveis sob todas as melhores boas práticas e as mais consistentes evidências acumuladas ao longo da história de 70 anos de existência do sistema internacional de proteção e promoção dos direitos humanos consagrado desde a Declaração Universal dos Direitos Humanos e de todos os Atos Internacionais dela advindos, dos quais o Brasil é parte integrante por força constitucional.
O MNDH confia que os legisladores, ao fazerem a análise da Medida Provisória tomem em conta estas observações e promovam as necessárias correções para a manutenção do Estado Democrático de Direito. Declara ainda que, caso isso não venha a ocorrer, buscará os remédios constitucionais, mobilizará a sociedade brasileira contra o cumprimento destas previsões ilegais e as denunciará nos fóruns internacionais de direitos humanos.
Brasília, 07 de janeiro de 2019.
Coordenação Nacional MNDH