Violência e Encarceramento no Maranhão: entre a ausência de dados e o silenciamento do Estado

Violência e Encarceramento no Maranhão: entre a ausência de dados e o silenciamento do Estado

Opacidade e desinformação limitam o controle social e o debate público sobre segurança pública e justiça criminal no estado

Fonte: Jusbrasil

No Maranhão, a ausência de dados oficiais e a dificuldade de acesso às informações consistentes sobre mortes violentas intencionais e o sistema carcerário revelam um cenário de opacidade preocupante. A falta de transparência impede análises precisas sobre a segurança pública e o impacto das políticas de encarceramento no estado, dificultando a atuação de pesquisadores, organizações da sociedade civil e até da imprensa. Sem números precisos e acessíveis, a realidade da violência e do aprisionamento permanece nebulosa, enquanto a população vivencia várias expressões dessas problemáticas, mas segue sem respostas sobre sua real dimensão.

A Sociedade Maranhense de Direitos Humanos, por meio do projeto Seletivismo Penal e de sua participação no Observatório da Violência no Baixo Parnaíba, tem realizado um trabalho de levantamento de dados sobre os dois eixos (seletivismo penal e mortes violentas intencionais) e encontra entraves no caminho quanto ao acesso às informações sobre essas realidades, que por sua vez, dificulta o monitoramento, cobrança de medidas e controle popular. 

Mapeando a violência: desafios no Baixo Parnaíba

As Mortes Violentas Intencionais (MVIs), que incluem homicídios dolosos, feminicídios, latrocínios, lesão corporal seguida de morte, lesão com morte em período posterior, homicídios decorrentes de intervenção policial, morte sob a guarda do Estado, crimes a definir e mortes com indícios de crime, são um dos mais graves indicadores de violência. Os relatórios anuais produzidos pela SMDH têm discutido o processo de interiorização da violência no estado, sendo também objeto de preocupação do Fórum do Baixo Parnaíba, que constitui a experiência do Observatório para acompanhar esses dados, compreender tais fenômenos e construir incidências. No entanto, a falta de transparência na produção de dados completos e de divulgação de maneira eficaz e democrática pelo poder público, impede uma análise completa da situação.

Apesar das dificuldades, o Observatório da Violência no Baixo Parnaíba reuniu informações disponíveis nas redes sociais e nas plataformas oficiais e elaborou reflexões sobre o tema, apresentando um relatório, produzido ao longo de 2024 em comparação com anos de 2022 e 2023, com o objetivo de subsidiar as ações do próprio Fórum em Defesa do Baixo Parnaíba na denúncia, cobrança e controle popular da atuação do Estado, que tem a obrigação de garantir segurança pública com respeito aos direitos humanos.

Durante a Caravana Regional de Duque Bacelar – atividade programática da SMDH para debater direitos humanos e proteção popular com OCs e comunitários, realizada  em fevereiro de 2025 -, houve o encontro dos integrantes do Observatório para analisar os dados coletados, identificar desafios, limites e possibilidades para as ações no âmbito do controle popular da Segurança Pública, com indicações importantes sobre a dinâmica da violência na região e seus impactos sobre a população. Atualmente, a principal plataforma para coleta de dados oficiais é o Sistema Nacional de Informações de Segurança Pública, Prisionais, de Rastreabilidade de Armas e Munições, de Material Genético, de Digitais e de Drogas (Sinesp).

O relatório traz em sua estrutura informações como: dados gerais do estado do Maranhão, dados por municípios, resultados observados e considerações. Tutóia, por exemplo, é o município com maior número de mortes registradas em 2024. No entanto, observou-se nos últimos anos o aumento dos números em municípios de menor porte, como Buriti, com apenas 30.000 habitantes e crescimento de 142% dos casos entre 2023 e 2024. 

Sistema prisional: entre o colapso e o apagamento

Paralelamente, o projeto Fortalecendo o Controle Popular Frente à Seletividade Penal, coordenado pela Sociedade Maranhense de Direitos Humanos (SMDH) monitora, anualmente, diversos indicadores relacionados à expansão do encarceramento no Maranhão. Entre os aspectos acompanhados estão: superlotação carcerária, número de pessoas presas provisoriamente, quantidade de audiências de custódia realizadas, relatos de tortura nessas audiências e o perfil socioeconômico da população encarcerada.

As informações são obtidas a partir de fontes estatais, relatórios da sociedade civil, pesquisas acadêmicas e levantamentos próprios da Sociedade Maranhense de Direitos Humanos. No entanto, assim como no caso das mortes violentas, a falta de transparência nos dados do sistema prisional representa um dos principais obstáculos ao monitoramento e à formulação de políticas baseadas em evidências.

Em muitos casos, os poucos relatórios disponíveis estão desatualizados, apresentam informações conflitantes ou são de difícil acesso, por estarem inseridos em sistemas restritos. Frequentemente, é preciso recorrer à Lei de Acesso à Informação para obter dados que, idealmente, deveriam ser públicos e facilmente acessíveis.

Essa ausência de dados confiáveis e acessíveis não é apenas um problema técnico ou burocrático. Ela dificulta a avaliação das políticas penais e favorece uma gestão da segurança pública baseada em estigmas e medos, em vez de evidências. Nesse cenário, constrói-se uma narrativa que associa determinados grupos sociais à periculosidade, reforçando desigualdades e fragilizando o debate público.

Ainda assim, o projeto Fortalecendo o Controle Popular Frente à Seletividade Penal segue sistematizando os dados disponíveis e promovendo reflexões sobre os efeitos do encarceramento no estado. O objetivo é contribuir com o fortalecimento do controle social, da transparência e da construção de políticas públicas que respeitem os direitos humanos.

Informação como estratégia de resistência popular

A opacidade nos dados sobre mortes violentas e encarceramento no Maranhão não é apenas um sintoma da ineficiência estatal, mas um projeto político que limita a participação popular, enfraquece os mecanismos de controle social e compromete os direitos fundamentais da população, sobretudo da juventude negra e periférica, principal alvo das políticas punitivistas.

Diante desse cenário, o trabalho dos grupos ligados à Sociedade Maranhense de Direitos Humanos se revela ainda mais urgente e necessário. Mesmo diante de tantas barreiras, as iniciativas do Observatório da Violência no Baixo Parnaíba e do projeto Fortalecendo o Controle Popular Frente à Seletividade Penal demonstram que é possível produzir conhecimento crítico, mobilizar territórios e reivindicar direitos com base em dados – ainda que incompletos – e, sobretudo, com base na vivência e resistência dos que enfrentam cotidianamente os efeitos do racismo estrutural e da seletividade penal.

Avançar na construção de políticas públicas justas e efetivas exige romper com a lógica da desinformação e do apagamento. É urgente que o Estado assuma sua responsabilidade na produção, sistematização e disponibilização de informações públicas de forma transparente, acessível e tempestiva. 

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