Violência no Maranhão
Violência no Maranhão: O que as estatísticas apresentadas não mostram?
O Governo do Estado comemora, através dos seus veículos de comunicação, a redução de 40% no número de homicídios registrados na ilha de São Luís, no período compreendido entre 2014 e 2017. É importante, frente a este dado, fazer um exercício de reflexão sobre a questão da segurança pública no estado: a que custo se chegou à redução deste índice? A escalada do punitivismo como solução para a violência é uma alternativa viável e eficaz a médio e longo prazo? Há transparência na construção das estatísticas governamentais?
Os números sempre foram utilizados como ferramentas de convencimento e persuasão. Eles são aparentemente objetivos e, por isso, tidos como verdades inquestionáveis. Neste tipo de discurso a amostragem tendenciosa, o erro (inevitável em qualquer estudo estatístico) e a linha argumentativa com dados obscuros nunca retiram o status de cientificidade dos números, perante um leitor desavisado.
Dessa forma, ler que os homicídios na grande São Luís reduziram em 40% parece levar a crer que a questão da segurança pública foi resolvida, ou está em vias de resolução. Trata-se de uma força argumentativa poderosa que, no entanto, não traz à luz dados e questionamentos fundamentais para compreender a violência no Maranhão. Escondendo, desta forma, a crise sistêmica do Sistema de Justiça e Segurança Pública que vivemos no estado há décadas.
O modelo de Segurança Pública adotado no Brasil e no estado do Maranhão, infelizmente, reflete o fenômeno conhecido como escalada punitivista. Essa forma de pensar a violência nutre-se através de pseudo-soluções, sempre populistas, para lidar com o fenômeno da criminalidade. São algumas delas o encarceramento em massa, a violência policial, redução da maioridade penal, liberação de armas, dentre outras alternativas que têm grande apoio popular e resultados desastrosos.
A lógica punitivista exclui da discussão sobre segurança pública o enfrentamento das desigualdades sociais e econômicas, do racismo institucional, das políticas públicas de educação e participação popular na construção da política de segurança pública.
A redução de 40% nos homicídios na ilha de São Luís, pautada na lógica punitivista, trouxe consigo um aumento de 100% nas mortes decorrentes de intervenção policial. A população carcerária teve um aumento de mais de dois mil presos no atual governo, passando de 7.689 em março de 2015 para 9.756 em dezembro de 2017. Um aumento de 26,9%, segundo monitoramento da Sociedade Maranhense de Direitos Humanos (SMDH). É importante ressaltar que a grande maioria dos encarcerados respondem por crimes não violentos e, pouco mais de 13%, por crimes de homicídio.
Ainda assim, o problema da violência está longe de ser resolvido: o município de São José de Ribamar, um dos quatro que compõem a região metropolitana de São Luís, foi apontado como o quarto município mais violento do Brasil, com uma taxa de 96,4 homicídios para cada 100 mil habitantes em 2015, segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
A implementação das Associações de Proteção e Assistência aos Condenados (APAC), que tinha como objetivo reduzir a reincidência dos detentos e a criminalidade no estado, ocorreu de forma inexpressiva, e pouco avançou na atual gestão, atendendo menos de 300 detentos, ou 3% do total da população carcerária do estado.
Para além da propaganda de estado, a sociedade exige que seja apresentado um modelo de segurança pública diferente do atual, que trace um processo de inclusão social, e não de encarceramento e punição, que atinge principalmente a juventude negra, muitas vezes de forma ilegal. O custo dessa redução nos homicídios, muitas vezes, é a morte de pessoas inocentes, geralmente negros e jovens da periferia.
TRANSPARÊNCIA E VISIBILIZAÇÃO – Destacamos, ainda, a necessidade da divulgação de informações sobre interior do estado. Informações do DATASUS (entre 2014 e 2016) apontam que houve redução de mortes violentas na região metropolitana mas, por outro lado, houve crescimento no índice de Mortes Violentas Intencionais (MVI) no interior do Maranhão.
A metodologia adotada pelo governo, que contabiliza apenas os homicídios, também deve ser questionada. O Fórum Brasileiro de Segurança Pública recomenda que essa contabilização inclua todas as Mortes Violentas Intencionais (MVI) que, além dos homicídios dolosos, inclui roubo seguido de morte (latrocínio), lesão corporal com morte posterior, mortes sob a guarda do Estado (em delegacias e presídios ou unidades de medidas socioeducativas), homicídios decorrentes de intervenção policial e mortes a esclarecer com indícios de crime.
Permanecem ocultas as mortes decorrentes de intervenção policial, como também mortes ocorridas sob tutela do estado (em unidades prisionais e unidades de medidas socioeducativas). Como exemplo, pode-se citar duas mortes de adolescentes em FUNACs do estado em julho do ano passado, e o caso da jovem assassinada em uma blitz policial na cidade de Balsas, que foi amplamente noticiado pela imprensa. Essas situações não são contabilizadas pelo modelo atual de estatística utilizado pelo governo.
Além dos equívocos no que diz respeito à contabilização de mortes violentas, falta transparência, também, pelo fato de que o estado não divulga os dados sobre crimes contra a propriedade, com exceção dos roubos a banco e transporte coletivo. Os índices de roubos cometidos contra as pessoas na rua, em carros e em residências não são publicados.
A lógica punitivista na segurança pública traz consigo consequências desastrosas. Mais armas, mais muros e mais policiais nas ruas não são soluções definitivas para o fenômeno da criminalidade, mas apenas remédios emergenciais. O investimento em políticas públicas inclusivas, abrangentes e dialogadas para a reinserção social deve ser priorizado. O Maranhão tem o dever de apresentar uma resposta à violência que não seja racista e excludente.
São Luís, 9 de janeiro de 2018.
Sociedade Maranhense de Direitos Humanos (SMDH)
Grupo de Familiares e Amigos de Pessoas Privadas de Liberdade no Maranhão (REVOAR)