O Estado do Maranhão precisa cumprir as leis de prevenção e combate a tortura

O Brasil está obrigado a cumprir a Convenção e o Protocolo Facultativo à Convenção das Nações Unidas contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes. Além disso, a lei maior do país, a nossa Constituição Federal – Art. 5º, inciso III diz: “Ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante”. Temos ainda a Lei Federal nº 9.455/1997, que tipifica o crime de tortura, e a Lei nº 12.847/2013, responsável pela criação do Sistema Nacional de Prevenção e Combate à Tortura que organiza os parâmetros básicos para que os órgãos públicos cumpram com as leis já estabelecidas. Contudo, mesmo diante desse conjunto de leis, a tortura segue sendo, uma situação recorrente, utilizada como prática pelas instituições policiais brasileiras.

Entre 2019 e julho de 2022, dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) evidenciam que houve pelo menos 44,2 mil denúncias sobre tortura e maus tratos feitas no momento da detenção relatados em audiência de custódia, o dobro se considerados os 4 anos antecedentes. Apenas no ano passado, relatos de tortura em presídios no Brasil aumentaram 37%, segundo levantamento da Pastoral Carcerária.

Dados da Unidade de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário do Tribunal de Justiça do Maranhão (UMF) apontam que entre os meses de fevereiro e dezembro de 2021 foram identificadas 454 notícias de tortura em audiências de custódia em todo o Estado do Maranhão. Além disso, dados fornecidos à Sociedade Maranhense de Direitos Humanos (SMDH) pela Corregedoria do Sistema Estadual de Segurança Pública, apontam que foram instaurados 96 procedimentos administrativos para apuração de ocorrência de tortura envolvendo Policiais Militares entre os anos de 2015 e 2021, sendo que o Estado do Maranhão conta com aproximadamente mil policiais investigados anualmente em virtudes de diversas ocorrências (abuso de autoridade, agressão, ameaça, apropriação indébita, extorsão, invasão de domicílio, dentre outras).

Apesar dos dados oficiais serem alarmantes, se sabe que o número de casos não registrados é ainda maior. Contudo é uma situação invisível e tolerada, seja pelos órgãos públicos, seja pela população em geral. A prática de tortura ganha espaço quando falta fiscalização independente no sistema que mantém pessoas adultas presas e nas unidades de privação de liberdade para adolescentes. Tudo isso dificulta o exercício do controle social pelas entidades da sociedade da sociedade civil.

Outro ponto de destaque refere-se ao desvirtuamento das audiências de custódia, primeira audiência que deve ocorrer dentro de 24 horas após a detenção. As audiências são essenciais para a identificação de casos tortura. Mas esse espaço legal tem sido prejudicado pelas audiência por videoconferência, pois elas tornam mais difícil a verificação da tortura. Pelos relatos de quem acompanha as audiências de custódia e pelos testemunhos dos familiares de presos, existem diversos relatos de tortura apresentados pelos presos que não são registrados e, quando são, não recebem o devido tratamento investigativo, o que mostra um sério descaso do sistema de Segurança e de Justiça.

O conjunto de situações demonstram que para combater a tortura é preciso reconstruir uma política pública que fiscalize, investigue, processe e puna administrativa e criminalmente os seus autores. É preciso retomar o funcionamento do Comitê Nacional Contra Tortura e o seu mecanismo nacional que deve atuar de forma sistemática para que

se cumpra as leis contra tortura, devendo o Comitê e o Mecanismo terem preservados suas autonomias, independências e efetiva participação das organizações de direitos humanos.

Uma Política Nacional Contra Tortura precisa ainda chegar aos Estados, criando ou reconstruindo os Comitês Estaduais de Prevenção e Combate à Tortura e no mesmo formato com independência e participação livre das organizações de direitos humanos.

Destaca-se ainda que mesmo diante do cenário acima retratado, o Estado do Maranhão não conseguiu efetivar a Lei 10.334 de 02 de outubro de 2015 que institui o Comitê Estadual de Combate à Tortura no Estado do Maranhão – CECT/MA e o Mecanismo Estadual de Prevenção e Combate à Tortura, além de, durante esses anos, ter desconsiderado a existência do Comitê Estadual Contra Tortura, criado no âmbito da Campanha Nacional Contra Tortura, criado em 2002, que cumula contribuições muito importantes da sociedade civil, sobretudo no que diz respeito à independência, autonomia e o efetivo controle social, seja do Comitê como do mecanismo estadual de fiscalização.

Com vistas a superar a falta de respeito ao processo construído com a contribuição da sociedade civil, a Lei 10.334 de 2015 e, efetivamente, colocar o Comitê Estadual para funcionar, o Movimento Nacional de Direitos Humanos – MNDH, Articulação Maranhão propõe:

  1. Que o Governo do Maranhão inicie ainda em julho/2023 os diálogos com a sociedade civil organizada no sentido de efetivar devidamente, o Comitê Estadual de Combate à Tortura no Estado do Maranhão – CECT/MA e o Mecanismo Estadual de Prevenção e Combate à Tortura, buscando reformular a Lei 10.334 de 2015, ampliando e fortalecendo os espaços de participação da sociedade civil;
  2. Que os Poderes Públicos do Estado do Maranhão instalem urgente um Sistema Estadual de Informações sobre Tortura, congregando dados e notícias de maus tratos e tortura, andamento das apurações e respectivas responsabilizações, como parte da política estadual de prevenção e combate a tortura;
  3. Que haja um pacto entre os Poderes Públicos Estaduais pela obrigatoriedade da realização presencial das audiências de custódia, evitando sua realização por videoconferência. Ou se feito virtual que seja obrigatório a presença física do/a defensor/a no mesmo espaço que o/a acusado/a.

Contra Tortura – ato cruel e desumano! “Um clamor de Justiça está no ar”.

Movimento Nacional de Direitos Humanos, Articulação do Maranhão, assinam filiadas e parceiras

Centro de Defesa Padre Marco Passerini – CDMP

Centro de Defesa de Direitos Humanos Padre Josimo – CDHPJ

Centro de Defesa da Vida e dos Direitos Humanos Carmem Bascaran – CDVDHCB Justiça nos Trilhos – JNT

Sociedade Maranhense de Direitos Humanos – SMDH

União Estadual de Apoio a Moradia Popular – UEMP

Movimento dos Trabalhadores/as Rurais Sem Terra – MST

São Luís, 26 de junho de 2023